sábado, 22 de fevereiro de 2014

O deus do anticristo (3)

Na primeira parte (VER), o deus do anticristo é exposto tendo como ponto de partida as religiões arcaicas e seus fragmentos na contemporaneidade. A segunda parte (VER), por sua vez, tem como intuito apresentar o deus do anticristo em uma conotação mais científica, da percepção pré-socrática do divino na natureza à exploração científica na parte obscura do universo. Nessa terceira parte iremos nos aprofundar mais e nos apoiar nas teorias psicanalistas freudianas a respeito da origem da religiosidade. Antes de tudo é importante ressaltar que com "anticristo" não estou me referindo a um grande líder mundial do fim dos tempos como é costume atribuírem, mas trata-se da sociedade em geral que mais tarde elegerá um executivo mundial, mas este apenas como um reflexo e consequência e não como o fator principal.

Freud, ao buscar entender a fonte da religiosidade, em seu ensaio O Mal Estar na Civilizaçãofez uso da expressão "sentimento oceânico".* Tal expressão refere-se a uma sensação de eternidade, de algo oceânico, ou seja, sem fim, à vista dos homens. Para Freud, quando buscamos este sentimento oceânico, estamos retornando a uma época que tínhamos uma sensação de comunhão plena com o mundo. Essa é a primeira fase da vida, quando o bebê sai do ventre da mãe. Quando o feto ainda está no ventre materno ele não tem a consciência de ser, o que não muda muito nas primeira semanas após o parto. Nesta fase, o bebê não sabe diferenciar o que é ele e o que é o mundo externo. Somente com o passar do tempo a criança vai aprender a fazer a distinção do que é o seu ego (Eu) para o que é o mundo exterior.

Baha'u'llah em seu livro Os Sete Vales afirma que o peregrino em busca do Bem Amado deve se ver livre do ego. 
...as etapas que marcam a jornada do peregrino desde a morada de pó até a pátria celestial são consideradas sete. Alguns as têm denominado Sete Vales e outros, Sete Cidades. E dizem que, enquanto o peregrino não se livrar do ego e não percorrer essas etapas, jamais alcançará o oceano da proximidade e união, nem sorverá do vinho incomparável. Os sete Vales, Baha'u'llah

Com "se livrar do ego" para alcançar "o oceano da união" Baha'u'llah, em 1862, estava confirmando previamente aquilo que Sigmund Freud iria formalizar 68 anos mais tarde, em 1930. A unidade na diversidade é o Absoluto que todos devem partilhar, sendo necessário antes acabar com o egoísmo de cada pessoa, de cada sociedade e da civilização rumo a uma Nova Ordem Mundial. A fonte da religiosidade na pós-modernidade está na imanentização da Causa em torno de uma utopia quiliasta.


Para ilustrar essa questão usarei a canção "Ao Longe o Mar" do grupo português Madredeus (clique aqui).
Porto calmo de abrigo/De um futuro maior
Inda não está perdido/No presente temor
Não faz muito sentido/Já não esperar o melhor
Vem da névoa saindo/A promessa anterior
Quando avistei/Ao longe o mar
Ali fiquei/Parada a olhar
Sim, eu canto a vontade/Canto o teu despertar
E abraçando a saudade/Canto o tempo a passar

Nos versos da canção percebemos alguns elementos que envolvem a humanidade e a aceitação de seu cristo cósmico: a sensação de um presente temoroso (período de nascimento de uma era gloriosa próxima); a esperança de um futuro melhor como promessa (de mártires religiosos ou políticos) e o clamor pelo despertar do cristo cósmico, a mentalidade universal e unitária.

A ação de parar e observar o mar é uma ilustração do sentimento oceânico e da sensação de infinitude. Ao olhar a dimensão do mar ou até mesmo do céu nos sentimos pequenos e diminuídos. Nessa insignificância do ego (Eu) a comunhão plena com o Todo pode ser restabelecida. A besta emerge do mar, vem do profundo, sai do abismo, do desconhecido e infinito.

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